O pedófilo
R. Santana
A sensação asquerosa daquele líquido viscoso descendo da regada da bunda
até à altura da coxa me persegue desde os meus 9 anos de idade quando fui
abusado sexualmente pela primeira vez. Tudo começou quando minha mãe, ainda
jovem, morreu vítima de câncer agressivo no útero e nos deixou para sempre sob
a proteção e guarda legítima daquele pervertido sexual, daquele animal, que por
capricho do destino era o meu pai e de duas irmãs mais novas.
Lembro-me ainda de suas primeiras investidas quando bolinava as minhas
partes íntimas ou lambia-me lascivamente, ao longo do tempo, ele passou me usar
de maneira agressiva: jogava-se sobre mim e ejaculava sobre o meu corpo, depois
me empurrava pra o banheiro e fazia-me dormir. Em vão eram os meus pedidos pra
que me deixasse em paz, quando eu ameaçava contar suas perversões ao meu tio
materno, era jogado em cima da cama e sufocava-me com o travesseiro e
ameaçava-me com o afogamento das minhas irmãs pequenas na piscina de casa. Sem
entendimento e na casa do sem jeito, não mais reagia aos seus instintos
animais!...
Naquela época, Dr. Nykos Pavlov estava acima de qualquer suspeição moral,
advogado de nomeada, pai de família extremado, querido e admirado pelo saber
jurídico, desenvolto socialmente, não fazia nada que deixasse vestígio
criminoso e fosse flagrado com a mão na botija.
Em tenra idade, eu não sabia o que era pedofilia, desvio sexual, abuso
sexual, estupro de vulnerável, pedófilos estruturados, situacionistas,
pervertidos, incestos, crimes e patologias, apenas pressentia que nada podia
fazer para comprometer o meu pai e impedir seu comportamento lascivo e abusado,
sua autoridade indiscutível de pai me fazia seu objeto de posse e me obrigava
calar.
Quando fiz 12 anos, na festa de aniversário, um fato providencial mudou a
minha vida, acho também que de minhas irmãs: a música corria solta, os comes e
bebes ainda mais, o bolo de aniversário dividido em três plataformas
circulares, as plataformas maiores com doze velinhas coloridas e a última o
número 12. Dr. Pavlov fez um discurso exaltando as minhas qualidades, o meu
apego pelos livros, o cuidado com as minhas irmãs menores, meu fino trato com
os empregados, para mim, sua fala cheirava hipocrisia, engodo, nojo, e, quando
ele me beijou nas faces, senti um sentimento de angústia e revolta
indescritíveis, desabei no choro, todos atribuíram emoção, menos o
conceituadíssimo médico cirurgião, Kurt Berghaman, catarinense, filho e neto de
alemães e irmão de minha mãe.
Finda a festa, meu tio Kurt e meu pai foram para biblioteca, não sei
quanto tempo levou, o tempo do relógio deve ter sido umas 2 horas, mas o meu
tempo correu depressa, pois quanto mais tempo meu tio ali permanecesse, menos
tempo teria aquele escroto para suas depravações sexuais, porém, quando eles
saíram de lá, fui tomado de imensa alegria pela notícia de tio Kurt: “seu pai
consentiu, como presente de aniversário, que passe as férias escolares na minha
fazenda”. Acho que não foi
consentimento, mas algum acordo imposto por decisivos argumentos, além de não
mais voltar para minha casa, a minha tia solteira e sexagenária assumiu o lugar
de minha mãe na criação e educação de minhas irmãs até quando elas ficaram
adultas.
Hoje, sou médico cirurgião, estou com 35 anos de idade, ainda moro com
meu tio e sua mulher. Encontro-me socialmente com meu pai, mas procuro
evitá-lo. Alimento o desejo de termos um
acerto de conta do passado. Trago o segredo a sete chaves, mesmo com marcas e
consequências sexuais desastrosas. Já tive várias namoradas, mas o meu
desempenho sexual não é bom e o namoro é vexatório. O meu sucesso profissional e social, além dos
meus consideráveis dotes físicos e minha riqueza, tornam-se empecilhos de
vergonha para eu pedi ajuda a um profissional da mente e da alma, todavia,
terei de procurá-lo, porque a angústia, a revolta e o desespero estão se
agigantando dentro de mim.
O meu tio Kurt Berghaman é o meu pai de verdade. Ele não teve filhos,
apegou-se a mim como seu filho, nunca quis um centavo de Nykos Pavlov para
minha criação e educação, hoje, sou seu herdeiro, desde que me formei, eu
administro sua clínica e suas fazendas como filho do dono. Ele e minha tia me
deram aconchego, respeito e amor. O seu principal hobby é a leitura e o
futebol, flamenguista doente, possui uma biblioteca riquíssima em literatura
médica. Quando eu era moleque me levava para futebol de várzea quase todos
finais de semana. Discretíssimo nunca me disse como havia conseguido me tirar
das garras de meu pai e nunca me proibiu vê-lo, porém, não mais pisou os pés na
casa do cunhado, falava com sua irmã, agora, responsável pela criação e
educação de minhas irmãs por telefone ou pedia que ela fosse sempre com as
meninas em sua casa.
***
Eu sou o pai de Dr. Nykos Pavlov Jr e mais duas filhas. Estou com 65 anos
de idade, não tenho mais vontade de viver, estou muito doente, se morresse hoje
seria uma bênção, mas Deus só abençoa o filho que se arrepende... Não me
considero culpado, sou vítima de desordem mental, de má formação cromossômica,
alguma área do meu cérebro superestima meu desejo para sexo infantil, sou
portador de alguma patologia.
Cometi muito estupro de vulnerável, notadamente, meu filho e filhos de
meus empregados, tive o cuidado de nunca ser flagrado nem alvo de suspeita
policial, devo conta a minha consciência e a minha consciência não me culpa.
Não foi fácil abrir mão da criação
de Nykos, o brutamonte do meu cunhado aproveitou a má fase financeira que
estava atravessando e ameaçou protestar o que lhe devia (acima dos meus bens),
além de ter desconfiado de algo errado com o choro do meu filho naquela festa
de aniversário. Para ele não me levar à bancarrota e não esmiuçar Nykos, eu
deixei o moleque passar as férias escolares em sua casa e não mais voltou. Não
pude ameaçá-lo fisicamente ou judicialmente, Kurt Berghaman é muito rico,
influente na cidade, tem quase dois metros de altura e um corpanzil
considerável e é versado em artes marciais, afora ter me prevenido de
carta-denúncia se algo de mal lhe acontecesse.
Gostaria de conversar tete a tete
com meu filho, parece que ele me odeia! Não iria lhe rogar perdão, nasci assim,
não tenho remorso, porém, ele iria entender que a minha atração por criança é
incontrolável, não sou oportunista ou descarado, também, não é um problema
regressivo, nunca fui abusado por meu pai ou parente, é uma tendência
patológica inata e não adquirida por senvergonhice. Quantas vezes tentei conter
a minha libido!? Inúmeras! Só que a força do deseja era mais forte do que os
meus resquícios morais!...
Não obstante praticar pedofilia, eu
sei que o estupro de vulnerável é crime e o pedófilo deve ser punido, não atrás
das grades, não se muda a libido encerrando o sujeito numa prisão, mas o
controle sexual deve ser feito através de terapias médicas, inclusive, as mais
radicais.
Hoje, que estou no ocaso da vida, eu
reconheço que estraguei a vida de muita gente, não se passa uma borracha no
passado, o passado é perene em nossas consciências, mas se pudesse apagaria as
marcas que deixei nas almas de minhas vítimas, quero lhes pedir perdão, perdão
eterno!...
***
Somos nossas circunstâncias... Estamos na noite de domingo, do mês de
maio de 2005, fui chamado às pressas pelas minhas irmãs: Nykos Pavlov havia
sido internado no hospital que trabalho, com desconforto respiratório e forte
dor no peito, an passant, acredito que foi algum princípio de infarto. Pensei
não ir lá, mas fazia algum tempo que minhas irmãs vinham me cobrando explicação
para minha aversão ao homem que me colocou no mundo e nada justificaria
menosprezá-lo naquele momento de dor e sofrimento. Porém, incontinenti, um
desejo reprimido de vingança veio à tona: desde que fui molestado, jurei que um
dia me vingaria de alguma forma e o momento estava ali.
A doença de Nykos não me
surpreendeu, ele é fumante compulsivo, sedentário e não pratica nenhuma
atividade esportiva, enquanto meu tio Kurt foi um jovem desportista e ainda
hoje se exercita diariamente, além de uma educação alimentar light, Nykos
Pavlov é extravagante na comida, na bebida, no fumo, na descaração.
Quando cheguei ao hospital todos os
procedimentos já tinham sido feitos. Usei a minha condição de filho e de médico
do hospital para me integrar à equipe de terapia intensiva. Não foi difícil
adaptar regras, o paciente havia sofrido um infarto do miocárdio, inspirava
cuidados as primeiras 48 horas e ninguém melhor que um filho médico para esse
zelo.
Após 24 horas de tratamento
intensivo, o paciente dava mostra que iria sobreviver, houve uma melhora
acentuada dos sinais vitais, embora continuasse sedado e entubado com
suprimento de ar e monitoramento do coração. A vigilância médica intensiva
afrouxou um pouco mais, afinal, sobravam cuidados para Nykos e urgia cuidado
para outros pacientes mais enfraquecidos.
Não queria vê-lo morrer naturalmente
sem sofrimento nem dor, junto com seu médico, abolimos o coma induzido no
terceiro dia. O paciente já respondia aos estímulos através de atos reflexos,
quando lhe pedi que apertasse a minha mão se estivesse me ouvindo, ele fez de
pronto, então, preparei o bote.
Às primeiras horas do quarto dia,
meu colega teve necessidade de sair da UTI por uns instantes, mas antes de sair
teve o cuidado de medir a taxa de saturação de oxigênio no sangue, a frequência
cardíaca, o quadro dispneico, e, outros procedimentos que um médico responsável toma para ter
certeza que seu paciente vai bem. Não mais de um quarto de hora de sua saída,
interrompi o suprimento de oxigênio do paciente, afastei o nebulizador de sua
boca e mexi no cateter central. Nykos morreu se estrebuchando, agonizando, mas
antes que desse o último suspiro, disse-lhe baixinho:
- O diabo lhe tome conta, a minha alma
lhe oferecia perdão, mas o meu ser clamava por justiça!...
Autor: Rilvan
Batista de Santana
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